Ser pai é navegar num mar desconhecido na esperança de chegar a terreno firme… eventualmente. Depositamos toda a nossa sabedoria, esperança e sonho nesta viagem, com um final feliz sempre em mente. É o amor incondicional que nos faz avançar e superar todos os obstáculos. E uma coisa é certa, todos damos, ou deveríamos dar o nosso melhor nesta travessia.
Quando comecei esta jornada apenas tinha a certeza de algumas coisas: que tudo faria para criar um indivíduo livre, com pensamento crítico, destemido, e que a minha missão seria dar-lhe as ferramentas para ele atingir o que considero ser o maior atributo para se ser feliz: o poder ser. Parece óbvia esta vontade, mas obriga a um silenciar do meu ego no que diz respeito à projeção da minha vida na dele, seja pelos erros que cometi na minha ou aspirações que nunca concretizei. Para ele poder ser, eu tenho de o deixar ser. Dele, apenas aprender, retirar lições para me tornar numa pessoa melhor, mais atenta, mais consciente e sobretudo mais humana.
Sou de uma geração que assistiu a grandes mudanças na sociedade que, na minha opinião, se desconectou da sua essência, da natureza, e que se cobriu de regras e ideais que nos oprimem e nos fazem ter medo de viver. Muitos de nós temos noção disto, mas o medo supera a empatia e silencia a coragem. Não sei para onde caminhamos, mas sei que não me revejo onde nos encontramos. E como acredito que as crianças são esponjas que absorvem tudo o que as rodeia, tento mudar em mim tudo o que poderia ser um mau exemplo para o meu filho.
O Martim é uma criança feliz, é um explorador da vida. Nós, como seus pais, educamos à distância, observando e dando aquela mão apenas quando necessário. Isto não quer dizer que a palavra “Não” não esteja regularmente presente no seu quotidiano, porque viver em sociedade requer conhecer os limites, tendo em conta que a minha liberdade acaba onde começa a do outro, mas também porque nunca apreciei crianças mal-educadas. Acho que a grande diferença da nossa educação para uma mais convencional é, na rara utilização do termo “é perigoso” ou “vais estragar isso”. Na minha observação do mundo aos seus olhos há coisas que não o posso impedir de fazer, é curtido demais! E por isso sou o maior incentivador a fazê-lo observar e experimentar tudo o que o rodeia.
Nestes quase dois anos na sua companhia, a palavra “difícil” é dissolvida na relação que criei com este pequeno ser. Claro que há momentos de bradar aos céus, sobretudo quando uma nova fase da sua personalidade se manifesta. Fase essa que toda a gente se esforça por esclarecer que “a partir de agora é que vais ver..”. Mas isso faz parte desta nova “profissão” e todas as outras coisas superam os momentos menos felizes.
Neste mundo onde o Martim nasceu deixou de haver espaço para as crianças serem crianças e viverem cada fase do seu crescimento em plenitude. Além disso o facto de ser rapaz faz com que a sociedade espere dele características que para mim não fazem qualquer sentido, sobretudo nesta era da informação onde os conceitos mais retrógrados e tabus caem por terra. O nosso filho é educado da mesma forma que educaríamos uma filha, o seu sexo não condiciona as suas escolhas ou decisões. Não é por ser rapaz que não sinto um orgulho gigante quando oiço vezes sem conta “que menina tão bonita”, ou que não o deixo brincar com bonecas ou usar cor de rosa. E também não é por ele usar cabelo comprido, e por vezes um “tó-tó”, que é menos rapaz.
Rapaz ou rapariga, o que eu e a minha mulher temos a certeza é que as crianças precisam de amor, de beijinhos, de abraços e de muito carinho. E isto sim fará deles seres humanos com vontade própria, pensamento crítico e indivíduos empáticos, características que acredito serem imperativas para o futuro sustentável da nossa espécie e do nosso planeta.
Independentemente das suas escolhas sexuais no futuro: “Boys will always be boys, and girls will always be girls”. Por isso não se preocupem e aproveitem cada segundo deste milagre da vida porque o tempo passa a correr.
P.S.: Deixo aqui uma sugestão para verem e pensarem sobre o assunto:
Do cineasta francês Thomas Balmès o documentário Babies (2010) é um registro do primeiro ano de vida de quatro bebês, de quatro culturas e lugares diferentes. Foram mais de 400 dias de filmagens durante um ano de viagens entre as casas de Bayarjargal (Mongólia), Hattie (Estados Unidos), Mari (Japão), Ponijao (Namíbia) e a França (país onde mora).
By Francis